São Carlos

Afeganistão e Talibã: Um discurso maniqueísta imprudente

Murilo Locatti, secretário da JPT São Carlos.

ícone relógio17/08/2021 às 18:55:14- atualizado em  
Afeganistão e Talibã: Um discurso maniqueísta imprudente

A inundação de aplausos para algum lado da história que está sendo escrita no Afeganistão é muito mais do que errado, é a falta de compreensão da realidade concreta e histórica que este polêmico país no Oriente Médio enfrenta. 

Para entendermos minimamente o que ocorre hoje com o povo Afegão, precisamos primeiro olhar para sua geografia e história, pois o Afeganistão é um país geograficamente estratégico em face das tuas fronteiras que são montanhosas e férteis para esconderijos de guerrilheiros islâmicos, e sua localização sempre foi de interesse militar para diversas nações. 

Em 1979, a história que estamos acompanhando através da televisão e redes sociais começou a ser escrita. Neste ano a URSS (União das Repúblicas Sociais Soviéticas) iniciou uma invasão ao país, utilizando-se da narrativa de que precisava combater os guerrilheiros jihadistas (Mujahidins) islâmicos, pois havia segundo a URSS, o interesse destes em levar a sua guerra santa até os territórios soviéticos, dando início a uma guerra civil de anos que se encerrou apenas em 1989 com a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão. O que resultou em 1996 a ascensão do grupo Talibã ao controle do governo e território Afegão, um importante marco histórico que garantiu que esta organização se mantivesse viva e estruturada até os dias de hoje. Mas quem é o Talibã?

Durante o conflito de 1979 a 1989, conhecido como Guerra do Afegão, em que forças Soviéticas enfrentaram os Mujahidins, países que faziam oposição (principalmente OTAN) ao bloco comunista durante a guerra fria financiaram a militarização desses jihadistas para combater o Exército Vermelho, garantindo o envio de armas, tanques e até suporte aéreo militar. Um destes Mujahidins financiados foi o Talibã, que se transforma da maneira como conhecemos hoje só em 1990 no norte do Afeganistão, embora no passado tenha tido grande destaque dentro do movimento pashtun (povos que residem principalmente na região leste e sul, fazendo fronteira com o Paquistão) e em frentes de estudos sunitas, que se debruçaram majoritariamente sobre uma promessa de implementação radical da lei Islâmica Sharia, o que aconteceu quando eles assumiram o poder tomando a capital Cabul em 2001. 

É importante destacar que durante o enfrentamento entre os blocos capitalistas e comunistas no Afeganistão, os Estados Unidos não só forneceram dinheiro e recursos armamentistas, como também capacitaram e treinaram diversos grupos Mujahidins na região, ensinando inteligência, organização militar, sobrevivência. Grupos esses que os Estados Unidos enfrentam até hoje no Oriente Médio, como é o caso do próprio Talibã, que após chegar ao poder é derrubado em 2001 pelas forças americanas e aliados, sendo acusados de darem abrigo a Osama Bin-Laden, líder da Al-Qaeda, que também foi uma organização financiada pelos Estados Unidos no passado.

Com isso, precisamos nos atentar enormemente aos discursos e narrativas propostas, sobretudo nas redes sociais, já que o Talibã é um grupo fundamentalista de extrema-direita, e sua chegada ao poder colocam em risco principalmente a liberdade e integridade física das mulheres, mesmo que eles tenham dado alguns sinais de que serão mais “flexíveis” e pragmáticos com relação a alguns pontos e a maneira de governar. Prova disso é que pelo menos três dias após a chegada do Talibã em Cabul, universidade e escolas já tinham proibido a frequência de mulheres.

O Afeganistão nunca foi um país que em sua totalidade esteve unido. Em regiões que estes grupos fundamentalistas já controlavam, as mulheres sempre sofreram essa perseguição criminosa que atenta contra os direitos humanos, assim como sempre atacaram a arte, a preservação da cultura e da história. Mas agora com o Talibã tomando total controle do país, a situação pode ficar ainda pior, já que ele é, fundamentalmente, um grupo que apresentam uma interpretação radical da Sharia

É preciso lembrar também que esta organização não venceu os Estados Unidos da América na luta contra o imperialismo, e sim que simplesmente tomaram o vácuo territorial deixado por eles com a saída dos militares, o que resultou nesta rápida ascensão ao poder. Com isso, pode-se entender que não há vitória contra o imperialismo a se comemorar, até porque como dito anteriormente, o Talibã é fruto de uma política imperialista, uma tentativa de controle do Oriente Médio que ocorreu em um passado não tão distante neste país. 

Neste assunto, é preciso afirmar que a mídia e as redes sociais precisam urgentemente desaprender o maniqueísmo. O sincretismo de Maniqueu não deve ser mais um parâmetro para atual conjuntura do Afeganistão, não há certo ou errado, não há vitórias, mas só uma perda total de direitos que já havia dificuldade em serem garantidos, onde uma vez mais as minorias (reforço que principalmente as mulheres) serão perseguidas. 

Por este motivo, precisamos continuar atentos aos próximos passos, e entender profundamente que os espólios deste conflito são apenas herança de uma política violenta financiada pelo “defensor da liberdade” que abandona sem comprometimento ou preocupação um povo que vem sofrendo há décadas, exatamente como outros países imperialistas fazem e vem fazendo ao redor do mundo, deixando apenas o sofrimento, fazendo apenas que uma mancha de sangue seja coberta com outra.

*As opiniões expressadas neste texto são expressamente responsabilidade do autor.